28.8.10

Negação

Da próxima vez que você disser não, tudo bem, eu vou concordar. E acordar. E melhorar. Mas por favor, não diga que não justo agora. Justo quando vou embora. Justo nessa hora que eu quero sair mundo afora. Deixe para dizer não quando a gente chegar, de novo, à beira do precipício. Juntos. Que eu te convenço que voar é a sensação mais gostosa do mundo, o melhor jeito de chegar em segurança ao fundo do poço. Meu Deus! Será que você não entende? O problema é que a gente se gosta demais e quer ficar junto. Mas não.
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Da próxima vez que você disser não, tudo bem, eu vou voltar.

10.8.10

Um pouco de Clarice pra elevar o nível

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Talvez esse tenha sido o meu maior esforço de vida: para compreender minha não inteligência fui obrigada a me tornar inteligente.
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Eu antes tinha querido ser os outros para conhecer o que não era eu. Entendi então que eu já tinha sido os outros e isso era fácil. Minha experiência maior seria ser o outro dos outros: e o outro dos outros era eu.
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Escrever é tantas vezes lembrar-se do que nunca existiu. Como conseguirei saber do que nem ao menos sei? assim: como se me lembrasse.
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Até hoje não sabia que se pode não escrever. Gradualmente, gradualmente, até que de repente a descoberta muito tímida: quem sabe, também eu poderia não escrever. Como é infinitamente mais ambicioso. É quase inalcançável.
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Viver é dramático. Mas não há escapatória: nasce-se.
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Mas, como eu disse, sou erro puro. E tenho alma canhota.
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4.8.10

Melodrama em pretérito maior

Ontem eu pensei em desistir dessa vida.
Apagar todos os textos e assumir de vez que não, não é para mim.
Seria o fim de uma frustração. E o começo de outra.

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Ontem eu pensei, pensei mesmo, em dizer a verdade.
Para evidenciar mil mentiras, é verdade, mas para ser verdade.
Seria o começo de uma nova vida. E o fim de outras dez.

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Ontem eu pensei em voltar lá. Voltar lá para dizer vem cá.
Para contar tudo que ficou engasgado e rasgado em mim.
Mas não conseguiria calcular nem o começo, nem o fim dessa conversa.
Ontem eu só pensei no ontem.
Por isso estou hoje assim.

Coitadinha.

2.8.10

Dos sonhos

Sonho é coisa maluca e lógica.
É o troço mais desproposital e necessário que existe.
É quando Deus fala com a gente, só com a gente.
Em cochicho. Em código.
Cumplicidade.

Ele sussurra em segredo o que ninguém se contou.
Mas nos deixa livre para espalhar a boa nova. E quem o faz?
Sonho requer vidas passadas bem vividas para ser entendido. E multiplicado.
É o mistério do pão.

A realidade é o luto do mundo. O sonho é a gala.

1.8.10

Pirraça

Deixa de ser homem, menino
E fala mesmo que sim
Que você pensa em, tenta com, que talvez
Ou que não
Que você vai continuar a brincar
De nada.
É tudo tão adulto
Que chega a ser velho
E doente.

Deixa de ser homem, menino
E fala que você só vai fazer o que quiser.
O mundo precisa mesmo de um pouco de pirraça.